segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Um caso clínico - demonstração!


DADOS PESSOAIS

Nome: JP

Idade: 53 anos

Profissão: Empresário.

Sexo: Masculino

Estado Civil: Casado

Agregado Familiar: Mulher e dois filhos. Os filhos com 27 e 24 anos.

Habilitações: Licenciado em Gestão.

Naturalidade: Faro


MOTIVO DA CONSULTA


O doente, José Manuel Pinto, de 53 anos, funcionário público, é encaminhado ao psicólogo pelo médico de família. Está a ser medicado com um ansiolítico (Alprazolam) há cerca de quatro meses.

O doente conta que a sua esposa diz que ele é uma pessoa muito desconfiada, pois pensa que a esposa e os filhos aprontam contra ele quando não contam determinados pormenores sobre qualquer coisa que pretendem fazer e perfeccionista, zanga-se quando vê as coisas fora do lugar, tendo por vezes, discussões com a vizinhança.

É questionado ao doente se já foi consultado por algum psicólogo mas a resposta foi de que nunca tinha ido ao psicólogo mas segundo o doente, sente-se absolutamente ciente de que o processo psicoterapêutico vai ser positivo.


DIFICULDADES ACTUAIS


A principal dificuldade actual do doente é o facto da sua mente ser corrompida por obsessões que invade a sua mente de forma estereotipada e pelas compulsões que são os rituais que o doente utiliza para, de certa forma, aliviar-se das obsessões. O doente apresenta obsessões pela desconfiança e pelo perfeccionismo. As obsessões pela desconfiança justificam-se pelo facto do doente desconfiar exageradamente da esposa e dos filhos, pensando que eles quando tem algum projecto a realizar, pensa que eles aprontarão contra ele. As obsessões pelo perfeccionismo devem-se ao facto do doente ser demasiado exigente consigo próprio e com os outros, querendo tudo perfeito e discute com alguma regularidade com a esposa e filhos, com os vizinhos e com os colegas de trabalho, quando eles não são demasiado perfeitos.

O doente relata que a relação com a sua mulher tem se deteriorado com o aparecimento das obsessões. O doente manifesta uma profunda devoção ao trabalho e já não dá tanta importância á relação com a mulher, porém, é exageradamente ciumento e não admite que a sua mulher converse com outro homem.

O paciente sempre averigua se existe em casa algum objecto que, eventualmente, seja oferecido à sua mulher por outro homem.

No ambiente conjugal, o doente discute quase todos os dias com a sua mulher devido à obsessão pela traição que o corrompe.

O doente garante que as discussões são apenas de ordem verbal e nunca aconteceu qualquer agressão física.

O paciente tem uma relação muito afectuosa com os filhos, porém as obsessões invadem a sua mente e a relação torna-se caótica e insustentável.

O Sr. José relata que num certo dia os filhos e ele combinaram para assistirem um jogo de futebol mas ocorreu um imprevisto que os impossibilitou de irem ver o jogo, então o doente relata que pensou que os filhos combinaram entre si para cancelar a ida ao futebol só para não estarem ao lado do pai.

José não tem discussões habituais com os filhos, porém quando as obsessões invadem a sua mente, ele descarrega sobre os filhos uma carga negativa e procura nas coisas dos filhos qualquer coisa que ele julgue ser usada pelos filhos contra si.

O paciente, sempre que discute com os filhos e com a sua esposa tem compulsões como arrumar as gavetas 7 vezes, arrumar o seu roupeiro 7 vezes, contar 7 vezes todas as suas coisas.

No início do dia, o doente veste-se 7 vezes porque a obsessão diz-lhe que se ele se vestir 7 vezes, os seus filhos e a sua esposa não aprontarão contra si.

Em relação à obsessão pela ordem e perfeição, o doente já teve algumas discussões motivadas por essas obsessões com a esposa e filhos, quando estes não deixaram a casa demasiado limpa e arrumada. O doente também teve discussões a esse nível com os colegas de trabalho quando estes não foram demasiado perfeitos nas suas tarefas e com os vizinhos, quando o doente via algum lixo fora do caixote e algum carro mal estacionado.

Em relação à obsessão pelo ciúme, o doente tem algumas discussões com a esposa e filhos por pensar que, quando estes alteram qualquer projecto, que devem estar a aprontar qualquer coisa contra ele. Na relação laboral, o doente pensa que os colegas, quando se esforçam no emprego, que estão a lutar para serem melhor que ele, e com isso conquistarem uma promoção.

Início das dificuldades


O doente sempre foi uma pessoa perfeccionista devido às ideias incutidas pelos pais durante a sua infância, descritas mais adiante.

Com o passar dos anos, o doente foi manifestando cada vez mais perfeccionismo e pelo facto de querer sempre a perfeição em tudo.

Desde os seus dezoito anos de idade, o doente começou a manifestar sintomas de obsessão e compulsão.Com dezoito anos de idade, o doente viveu um acontecimento que alimentou a sua obsessão pelo perfeccionismo e pelo ciúme e traição. A obsessão pelo perfeccionismo foi alimentada quando o doente teve um trabalho para apresentar numa aula e quando o apresentou, o seu professor lhe disse que deveria estar mais perfeito, pensando o doente que o trabalho estava excelente. Desde então, o doente começou a buscar a perfeição em tudo o que ele fazia. As obsessões pela traição e ciúme começaram também aos dezoito anos, quando o doente tinha uma viagem de estudo marcada com os colegas e, sem qualquer motivo eles lhe disseram que ele não podia ir. Quando ia à casa de banho, começou a verificar se deixou a luz apagada e se ficou tudo perfeito. Com o passar dos anos, o doente ficou dominado pelas obsessões e pelas compulsões. A sua primeira compulsão foi de apagar a luz do interruptor da casa de banho 7 vezes para ter a certeza de que a luz ficou devidamente apagada.


História de desenvolvimento


A gravidez da mãe do doente e o nascimento aconteceram de forma normal e desejada. O doente foi uma criança que obteve um desenvolvimento normal para a idade. O desenvolvimento psicológico e emocional, o doente relata que os pais exigiam que ele fosse melhor do que as outras crianças em tudo.O desenvolvimento da marcha, da fala e das restantes vertentes físicas correu de forma normal para a idade.

O doente relata que a sua infância foi normal, porém sempre ouvia os seus pais dizerem que ele não era tão bom na escola e que queriam melhores resultados, por isso sempre exigiam mais e melhor. O doente, na infância, teve sarampo, como doença mais significativa.

A família do doente organizava-se de forma austera. Os pais não discutiam mas sempre falavam com o doente para não fazer asneiras, para não falar com estranhos e para ser melhor do que os outros em tudo.

Durante a infância a relação com os amigos e colegas de escola era uma relação de desafio, pois o doente, devido às exigências dos seus pais, tinha que ser melhor do que os amigos e colegas e por esse facto a relação com eles não era a melhor,

Quando o doente se portava mal ou quando não tinha notas máximas, os seus pais gritavam repetidamente com o doente como forma de o castigar, dando sermões, dizendo que ele tinha que ser o melhor em todas as disciplinas e ser um exemplo a seguir pelos colegas da escola.

A relação com as raparigas não era das melhores uma vez que o doente apresentava na sua mente uma ideação perfeccionista em relação às raparigas, perfeição essa incutida pelos pais, pois os pais incutiram no doente uma ideia de mulher perfeita que o doente, mais tarde teria de conquistar, uma mulher que tivesse todos os atributos de uma dama, que soubesse comportar-se de uma maneira fina e que fosse bastante inteligente O doente não teve nenhuma namorada na infância e na adolescência porque pensava que só iria casar com alguém que fosse uma dona de casa exemplar, inteligente, afectuosa e meiga.

O paciente não teve grandes momentos significativos de vida mas relata que o momento que o marcou de uma forma signifiativa foi a educação exagerada incutida pelos pais, que exigiam melhores resultados e que o doente fosse um exemplo a seguir pelos outros.

No ambiente laboral, a relação com os colegas de trabalho é uma relação de competitividade, visto que o doente sempre se apresenta como o principal candidato ao melhor posto ou promoção.

O doente vê-se como uma pessoa que quer ser a melhor de todas em todas as actividades. Vê-se como a pessoa que é dona da razão mas gostaria de ser mais perfeito do que acha que é.

O doente gosta muito de andar de bicicleta, de ver televisão pois quando vê televisão critica sempre algum apresentador pela forma de apresentar o programa ou pela forma de se vestir.

O doente tem como religião a religião católica.


Avaliação


O doente foi sujeito à aplicação do “MOC – Maudsley Obsessive Compulsive Inventory” que obteve um total de 126 no score total da frequência e de 168 no score total da ansiedade. Estes resultados significam que o doente tem sintomatologia elevada em relação à perturbação obsessivo – compulsiva.

Formulação Clínica


Perante a informação recolhida e tendo em conta os sintomas apresentados pelo doente, parece-nos estar presente uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva devido aos pensamentos intrusivos que avassalam a mente do doente de forma repetitiva e pela presença de compulsões ou rituais que o doente executa como forma de se livrar das obsessões.

Diagnóstico Multiaxial


Eixo I: 300.3 Perturbação Obsessivo – Compulsiva (F12.8)

Eixo II: V71.09 Sem diagnóstico (Z03.2).

Eixo III: Nenhum

Eixo IV: Nenhum

Eixo V: AGF = 65

O doente apresenta sintomatologia obsessiva – compulsiva visto que tem compulsões que são ritual que efectua de forma repetitiva como forma de se aliviar das obsessões que invadem a sua mente. O doente apresenta obsessão pelo perfeccionismo e pela ordem, pelo facto de querer ser sempre o melhor em todos os campos. O doente apresenta também obsessão pela desconfiança da esposa e filhos pois devido à sua obsessão teme que eles façam algo contra o doente mas por outro lado teme que algo de mal aconteça a eles. No trabalho quer sempre ser o melhor em tudo do que os colegas. Na relação com os vizinhos é obsessivo pela perfeição pois o doente sempre discute com os vizinhos por colocarem o lixo fora do caixote ou por terem estacionado o carro em cima do passeio.

Como forma de se aliviar das obsessões o doente tem compulsões como verificar 7 vezes se tudo está em ordem, arrumar as gavetas 7 vezes e vestir-se 7 vezes todos os dias antes de ir para o trabalho. O doente acredita que ao efectuar as compulsões tudo o que deseja acontecerá. O doente tem como hábitos os de verificar a ordem dos objectos na sua casa e no seu emprego. Como forma de evitar o mal-estar provocado pelas obsessões o doente quando caminha na rua nunca pisa as linhas dos passeios. O doente teme ignorar ou suprimir os pensamentos intrusivos, impulsos ou imagens com algum outro pensamentos ou acção.

Diagnóstico Diferencial

A Perturbação Obsessivo – Compulsiva distingue-se da Perturbação Paranóide da Personalidade e da Perturbação de Tique.

A Perturbação Obsessivo – Compulsiva distingue-se da perturbação paranóide da personalidade na medida em que na perturbação paranóide o doente tem alterações do pensamento constantes e na perturbação obsessivo – compulsiva a sintomatologia paranóide é derivada às obsessões que invadem a mente do doente.

Distingue-se da perturbação de Gilles de la Tourette na medida em que, em contraste com a compulsão, os tiques e os movimentos estereotipados são tipicamente menos complexos e não tem como objectivo neutralizar a obsessão.

Também se distingue de perturbação da personalidade obsessivo-compulsiva na medida em que, este doente apresenta perfeccionismo excessivo em relação a si próprio e aos outros e uma devoção excessiva pelo trabalho, mas este doente não tem uma perturbação de personalidade obsessivo-compulsiva pois no seu caso, o doente apresenta compulsões, que no caso das perturbações da personalidade obsessivo-compulsiva não aparecem.


Factores Predisponentes


O doente ao longo da sua infância teve uma educação rígida tendo por base valores de exigência. Os pais do doente manifestavam sempre que o doente fosse exigente consigo mesmo e queria que ele fosse o melhor em tudo e também para sempre desconfiar das outras pessoas.

Estes valores de exigência para consigo mesmo fizeram com que o doente pensasse cada vez mais em ser o melhor do que os outros em tudo e então esses pensamentos fizeram com que o doente ficasse com um pensamento cada vez mais exigente e desconfiado.

 

Factores Precipitantes

 

Tudo começou quando o doente tinha dezoito anos e tinha um trabalho para apresentar na universidade, ele estava convencido de que o seu professor iria se orgulhar pelo trabalho feito por ele, mas foi o contrário, o seu professor disse ao doente que devia se esforçar mais. Outro factor foi quando o doente tinha uma viagem de estudo com os colegas e sem qualquer motivo os seus colegas lhe disseram que ele não podia ir a essa viagem de estudo. Desde esses acontecimentos na vida do doente, o mesmo tem apresentado obsessão pelo perfeccionismo e ordem e pela traição e ciúme.


Factores de Manutenção


O doente manifesta ao longo do tempo sintomas de obsessão e de compulsão, que por si só não são favoráveis para que o doente tenha a noção de que os pensamentos intrusivos são apenas realizações da sua mente.

O doente efectua movimentos estereotipados porque acha que a esposa e os filhos não façam nada contra ele, pois ele acredita que, ao efectuar tais movimentos, como vestir-se 7 vezes todos os dias, ninguém irá aprontar contra ele. O doente não tem noção de que, se deixar de efectuar tais movimentos, os seus filhos e a esposa irão fazer algo ou não contra ele. O doente tem como hábito acender e apagar os interruptores da luz da sua casa como forma de reduzir a ansiedade causada pelas obsessões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intervenção

 

Exposição e prevenção de resposta:

Os princípios do tratamento baseiam-se no modelo psicológico. Os procedimentos são os seguintes:

1.      Exposição deliberada às situações que provocam evitamento;

2.      Exposição directa aos estímulos receantes;

3.      Prevenção dos rituais compulsivos e comportamentos neutralizantes.

 

Como método de intervenção terapêutica propõe-se utilizar os métodos da exposição com prevenção de resposta e da distracção do pensamento.

O doente com perturbação obsessivo-compulsiva apresenta obsessão pelo perfeccionismo e pelo ciúme por parte da esposa. O doente verifica as gavetas 7 vezes todos os dias porque acha que, cumprindo esse ritual, a esposa e os filhos não compirarão contra ele. Neste problema tenta-se expor o doente impedindo-o de realizar o ritual. O objectivo é fazer com que o doente chegue à conclusão de que as consequências não acontecem.

Outra possível técnica terapêutica que pode ser aplicada neste caso é a distracção do pensamento que consiste em pedir ao doente que não pense no que lhe provoca mais ansiedade mas o esforço do doente em não pensar naquilo que lhe traz mais ansiedade faz com que pense mesmo naquilo que lhe causa ansiedade.

 

Conceptualização do caso

 

A perturbação obsessivo.compulsiva é uma perturbação que se insere no grupo das perturbações da ansiedade e também no grupo das perturbações da personalidade, sendo, neste caso pertencente ao grupo das perturbações da ansiedade.

Neste caso, o doente insere-se no grupo da perturbação obsessivo-compulsiva que diz respeito à verificação pelo facto de estar com obsessões acerca do mal que a esposa e os filhos possam, eventualmente, fazer contra ele.

Nesta perturbação é habitual ocorrerem rituais que o doente utiliza para neutralizar as obsessões. Neste caso, o doente verifica 7 vezes as gavetas de forma a neutralizar a obsessão sobre o que a esposa e os filhos possam, eventualmente, fazer contra ele. Os rituais que o doente utiliza têm também o fim de diminuir a ansiedade provocada pelas obsessões.

O que se passa na mente do doente são distorções cognitivas que são provenientes do perfeccionismo transmitido pela educação dada pelos pais, pois os pais do doente sempre incutiram uma ideia de que o filho tinha que, forçosamente, ser perfeito em tudo que fazia.

 

Modelo psicológico da Perturbação Obsessivo-Compulsiva

 

De acordo com este modelo explicativo, as características essenciais dos problemas obsessivos são:

1)      Evitamento de objectos ou situações que provocam obsessões;

2)      Obsessões;

3)      Comportamentos compulsivos e ritualizados.

 

De acordo com este modelo:

1.      As obsessões são pensamentos que tem aparecido associadas à ansiedade (Condicionada).

2.      As compulsões são comportamentos voluntários que terminam com a exposição dos pensamentos e devem fornecer alívio para a ansiedade ou desconforto.

3.      Os doentes aprendem que os comportamentos evitativos podem prevenir os pensamentos obsessivos (e ansiedade).

 

 

Os doentes recorrem ao evitamento das situações ou objectos que provocam obsessões para fugir das mesmas.

Quando, apesar do evitamento, as obsessões ocorrem, os rituais geralmente resultam. Estes são mais reconhecidos como comportamentos com características obsessivas, particularmente quando eles são repetitivos e associados a uma ansiedade temporária.


No caso acima apresentado, o doente recorre aos rituais com o objectivo de neutralizar a ansiedade causada pelos pensamentos obsessivos de que os filhos e a esposa estariam a conspirar contra ele.

 

 

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